segunda-feira, 18 de abril de 2011

Memória - Que tal um passeio pela história de um povo que não se rende?





CUBO MÁGICO

Segure-se.

Com as duas mãos, sem medo, agarre a crina e galope através do tempo.

Névoa. Céu cinzento. Grávido de tempestades.

Entardecer, lusco-fusco cobrindo a mata.

Na curva do S, Eldorado, sonho e perdição.

A fuzilaria não tarda a começar.

Soldados arcabuzeiros, bombardas e canhões.

Sobre o asfalto, sangue. Muito sangue.

Em meio à gritaria horrenda, um rosto se destaca.

Cabelos ao vento, brancos, branquíssimos.

Ele, o principal, dirige os seus na luta desesperada.

Antes que a noite caia, Guaimiaba, chefe guerreiro, será dominado.

O laudo oficial dirá que levou quatro tiros. Todos mortais.

Um atingiu a cabeça, de trás para frente.

Outro estraçalhou sua testa, pelo lado direito.

Por trás - sempre por trás, seus algozes acertaram seu pescoço, vida que se esvai.

E, sem misericórdia, um último tiro penetrou no lado direito do peito que não se entrega.

Era 17 de abril do ano da graça de 1996.

Ventania. Folhas ao vento.

A floresta se move, silenciosa, decidida.

- Quem vem lá?

- Quem vem lá?, gritou o vigia, tomado pelo mais espesso medo.

Começava o ataque derradeiro.

Nação Tupinambá em formação.

Carregam foices e paus.

Carregam bandeiras vermelhas.

Carregam, em seus alforjes esfarrapados, amuletos ancestrais, cânticos e coragem.

O forte do invasor, porém, não será tomado.

Da paliçada, em frente ao grande rio, protegidos, metralham.

Chumbo. Aço que tudo rompe.

Vidas partidas e lançadas, em pedaços.

A terra sentirá, como nunca, o peso das botas assassinas.

Oziel Alves Pereira, 17 anos, pele escura, cabelos longos, desafiantes.

Ele não se entregará. Mesmo diante da derrota iminente, é líder até o final.

Antes que a noite caia, Oziel, chefe da legião de homens livres, será dominado.

A soldadesca vai cercá-lo, em fúria.

Um tiro de arcabuz?

O canhão que cospe fogo e morte?

Uma punhalada pelas costas?

Pouco importa.

A ordem é clara: matar. Acabar com essa cambada.

Era 7 de janeiro do ano da graça de 1619.




Ilustração: Desenho de Edmilson Rodrigues (novembro 2002, Milano). "Marés do Céu" - Desenhos - Curadoria: Gileno Chaves. MABEU - Museu de Arte Brasil - Estados Unidos. Clique sobre a imagem para ampliá-la.

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