quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Memória Afetiva - André Costa Nunes - As baixadas de Belém. Do Marajó, do Nilo, de Miami, do Mekong

Do Tipo assim...folhetim


Entendamos como baixadas, as terras inundáveis por rios, lagos e mares. Várzea baixa, várzea alta, igapós, baixões, praias e mangues. Fiquemos apenas com os rios. Rios da Bacia Amazônica.
As baixadas fazem parte do rio. São sua área de escape. Seu leito quando as águas se avolumam. Quer pelas cheias sazonais, quer, se próximas ao mar, pelo fluxo das marés. É, digamos, o leito expandido. É nessas águas rasas, quentes, densamente vegetadas, ricas em húmus e plancto, que ocorre a reprodução dos peixes. Onde nasce a vida. Quando as águas refluem, o rio volta para sua calha deixando fértil a terra que ocupou. Normalmente, por igual período, sobe e desce. Comportado. Seguindo as regras que não fez. Só sabe que é assim. E sempre funcionou, desde que o mundo existe como conhecemos.
A ocupação humana das baixadas, tanto para exploração econômica, quando para habitar, só pode acontecer, por empréstimo, ou por esbulho. Também sempre foi assim, repito, ao longo da história.
Por esbulho, com grandes obras de engenharia. Cidade do México, a Tenochtitlán dos astecas, a Holanda, o Aterro do Flamengo, a Nova Copacabana, Miami City, Narita, Dubai, o porto de Belém por Percival Farqhuar etc.
Por empréstimo, para morar, só com palafita, como foi no lago de Zurique, na Suíça, na França, em Veneza, no Laos, na China, em Brunei, na Ilha das Onças, em Vila Maiuatá, Afuá, Arumanduba e outras menos importantes. No Amazonas, desde o Marañon até o Marajó.
Alguns povos, simplesmente flutuam. Em ilhas de junco no lago Titicaca ou em sampanas asiáticas.
A ocupação das baixadas de Belém é recente. Primeiro por empréstimo depois por esbulho.
Esbulho perverso, burro, pobre, excludente, sem qualquer planejamento ou obra de engenharia.
Antes, se ocuparam os tesos e terras altas a partir do Forte do Presépio. Contornavam-se as baixadas. Os igarapés eram as vias por onde os ribeirinhos entravam com suas canoas para negociar, quase sempre por escambo, sua produção nas feiras que se formavam nos barrancos das terras firmes.
À entrada desses canais ficavam as guritas coletoras dos impostos. Quando a canoa entrava demandando as feiras, a mercadoria era inventariada. Açaí, azeite de patauá, cumaru, cacau, copaíba, farinha, peixe seco, caça fresca e seca, galinha, pato, marreca, mixira. Deixava em garantia os remos, as falcas e o velame. Assim, desarvorada percorria os igarapés apenas movida a vara. De porto em porto vendendo seu produto.
A prática do escambo, exigia negociação na saída, junto ao coletor dos impostos e do dízimo clerical.
Até se pensou que Belém, na época da borracha, estava pronta para ser uma Veneza Tropical. A malha de canais era perfeita.
Esta feição, com alguma concessão à modernidade, permaneceu assim até quase os nossos dias. Segunda metade do século vinte. Os habitantes tradicionais de Belém, as elites, o clero, comerciantes, militares e funcionários públicos seguiam o estilo português de casa de pedra e cal, adobe e divisórias de taipa. Em terra firme, naturalmente. Pela mesma tradição e origem, os imigrantes nordestinos, ainda poucos, seguiam-lhe o padrão. Pode-se até dizer que, obedecendo à hierarquia vigente, a ocupação era democrática. Os tesos comportavam também ex-escravos, empregados subalternos e despossuídos, de qualquer cultura, não cabana, ribeirinha do Baixo. Da cultura da palafita.
A beirada, o baixão, depois que Farhquar tirou os trapiches da frente de Belém foi ocupado, pouco antes e além do Arsenal de Marinha, por ribeirinhos do estuário do Amazonas. Baixo Tocantins – Baião, Bujaru, Igarapé-Miri, Maiuatá, Acará, Abaetetuba, Amapá – e Marajó, furos e ilhas, que para cá trouxeram seus costumes e tradições, inclusive o hábito de viver e conviver no alagado. Mal comparado teria sido assim também com os holandeses que preferiram fundar Recife nos manguezais da foz dos rios Capibaribe e Beberibe, ao invés das terras altas de Olinda bem ao lado.

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