Isso o transformou em um pária do direito internacional, objeto de processos em cortes penais no exterior. Contrariamente a países como Argentina, Uruguai e Chile, o Brasil conseguiu a façanha de não julgar torturador algum, de continuar a ter desaparecidos políticos e de proteger aqueles que se serviram do aparato de Estado para sequestrar, estuprar, ocultar cadáveres e assassinar.
Nesse sentido, não é estranho que convivamos até hoje com um aparato policial que tortura mais do que se torturava na própria época da ditadura. Aparato completamente minado por milícias, grupos de extorsão e extermínio, assim como pela violência gratuita contra setores desfavorecidos da população. A brutalidade securitária continua a nos assombrar. Este é apenas um dos preços pagos por uma sociedade incapaz de dissociar-se dos crimes de seu passado recente.
Outro preço é o tema que mais assombra certos setores da classe média brasileira, a saber, a corrupção. Esquece-se muito facilmente como a ditadura foi um dos períodos de maior corrupção do Brasil. Basta lembrar-se de casos como Capemi, Coroa-Brastel, Lutfalla, Baum-garten, Tucuruí, Banco Econômico, Transamazônica, Ponte Rio-Niterói, entre tantos outros.
Eles demonstram a consolidação de um modus operandi na relação entre Estado e empresariado nacional que herdamos da ditadura. Talvez não seja por acaso que boa parte dos casos de corrupção que assolam o País tenha participação de empresas que praticamnegócios escusos desde a ditadura. Empresas que tiveram participação ativa, por exemplo, no financiamento da Operação Bandeirantes.
Corrupção e violência policial são apenas dois aspectos do que restou da ditadura. Poderíamos lembrar ainda do caráter imperfeito da democracia brasileira. Temos leis herdadas de períodos totalitários que se esconderam em nosso ordenamento jurídico. Ou seja, esperamos por uma reforma jurídica que racionalize nosso direito a partir de princípios gerais de liberdade social. Seria bom lembrar como temos uma lei constitucional que legaliza golpes militares.
Basta lermos com calma o Artigo 142, no qual as Forças Armadas são descritas como “garantidoras dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Ou seja, basta, digamos, o presidente do Senado pedir a intervenção militar em garantia da lei (mas qual? sob qual interpretação?) e da ordem (social? moral? jurídica?) para que um golpe militar esteja legalizado constitucionalmente.
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Fonte: Revista Carta Capital (28/12/2011)
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