Do Ópera Mundi
Esta é a primeira parte de uma reportagem especial do jornal salvadorenho El Faro sobre a tragédia em Honduras. Leia também as partes II e III.
Frederick Meza
Coli subiu até o quarto andar do beliche, deitou-se para cima e começou a pressionar com as pernas, dando patadas com a sola dos pés contra a lâmina que o impedia de escapar do inferno. Antes de subir, havia dito ao seu amigo Quique que suportasse, que abrisse o teto de sua cela e logo ele voltaria para tirá-lo dali. O problema era que Coli dormia na cela 5, localizada em frente à cela 6. O problema era que duas grandes de ferro os separavam, fechadas com cadeado. O problema era que apenas um dos dois tinha verdadeiras possibilidades de sobreviver, porque na cela 6, onde começou o fogo e onde Quique dormia, as chamas estavam a ponto de consumir tudo.
Não disseram nada. No fundo, sabiam que era melhor assim. O que podiam ter dito? As chamas já estavam roçando as costas de Quique, e Coli sabia que, por mais que tentasse dobrar as grades de sua própria cela, localizada na frente da de Quique, jamais conseguiria salvar o amigo. Quando Coli desapareceu em meio ao buraco que havia no teto, Quique fechou os olhos, apertou as grades de sua cela e sentiu que ia morrer.
Quique e Coli haviam se conhecido muitos anos atrás, assim que Coli desertou da Polícia – para lucrar com o tráfico de drogas – em 2002. Coli caiu em 2005, e Quique – por roubo – entrou na granja-penitenciária de Comayagua em fevereiro de 2007. A prisão está localizada a 90 quilômetros a noroeste de Tegucigalpa, a capital do país mais violento do mundo. Dizer que, dentro da prisão, Quique e Coli eram os melhores dos melhores amigos talvez não seja de todo certo. Mas é significativo, que depois do incêndio, os olhos de Coli se ofusquem quando se lembram dessa cena trágica: Quique vencido, aferrado nas grades, com o laranja e o amarelo das chamas ao fundo, a ponto de ser tragado.
Na penitenciária, Quique e Coli se viravam como o resto de presidiários. Nas cadeias de Honduras, como nas de El Salvador ou Guatemala, se sobrevive se tem boas relações com os carcereiros, conseguem-se privilégios por boa conduta ou por dinheiro. Um detento vale o que vale cada centavo que carrega consigo, e em Comayagua esta regra também se cumpria. Para ter um celular ao alcance, por exemplo, eram necessárias 500 lempiras (45 reais). Dormir no beliche se conquistava com o tempo ou com o respeito. Dormir no chão era para os mais novos ou para os menos sortudos.
Em todas as celas havia conectores, extensões e cabos de televisão ou carregadores de celular. Se não fosse porque Comayagua tinha um sistema de reabilitação “modelo”, esta cadeia seria como qualquer outra: uma onde se compram vontades, se sofrem de muitas carências e onde os direitos dos detentos importam apenas aos detentos. O sistema de reabilitação, por outro lado, consistia em ter, durante os sete dias da semana, mão-de-obra barata para trabalhar em um chiqueiro, em uma granja de frangos e em uma estufa.
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