domingo, 23 de outubro de 2011

Pensamento Crítico - Mike Davis - Chega de chiclete

"Ocupe Wall Street" segue resistindo apesar da intensa repressão das autoridades estadunidenses

do Blog da Boitempo

Quem poderia prever que o Occupy Wall Street e sua proliferação ao estilo de uma planta selvagem aconteceriam em cidades grandes e pequenas? John Carpenter previu. Há quase 25 anos (1988), o mestre do terror (Halloween, A coisa) escreveu e dirigiu They Live [“Eles vivem”, no Brasil], retratando a Era Reagan como uma catastrófica invasão alienígena. O filme continua sendo seu tour de force. Aliás, quem poderia esquecer das primeiras cenas brilhantes em que uma grande periferia terceiro-mundista é mostrada ao longo de uma autoestrada e refletida pelos arranha-céus espelhados de Bunker Hill, em Los Angeles? Ou da maneira como Carpenter retrata banqueiros milionários e ricos midiocratas dominando a pulverizada classe trabalhadora dos Estados Unidos, que vive em barracas numa encosta cheia de entulhos e implora por trabalhos casuais?

Partindo dessa igualdade negativa entre falta de moradia e desesperança, e graças aos óculos escuros mágicos encontrados pelo enigmático “Nada” (interpretado por Kurt Russell), o proletariado finalmente alcança a unidade inter-racial, não se deixa enganar pelas fraudes subliminares do capitalismo e fica furioso, extremamente furioso. Sim, eu sei, estou adiantando as coisas. O movimento “Occupy the World” ainda procura seus óculos mágicos (programa, demandas, estratégia e assim por diante), e sua fúria permanece baixa, em estado gandhiano.

Mas, como previu Carpenter, arrancar um número suficiente de cidadãos norte-americanos de suas casas e/ou carreiras (ou pelo menos atormentar dezenas de milhões com essa possibilidade) para promover algo novo e de grandes proporções é um movimento lento e cambaleante em direção ao Goldman Sachs. E, ao contrário do “Partido do Chá” [Tea party], até agora não há fios de marionete. Um dos fatos mais importantes sobre a revolta atual é simplesmente que ela ocupou as ruas e criou uma identificação espiritual com os desabrigados.

Para ser bem franco, a minha geração, educada no movimento dos direitos civis, teria pensado em primeiro ocupar os prédios e esperar que a polícia colocasse todos porta afora na base de cacetadas. (Hoje, os policiais preferem spray de pimenta e “técnicas não letais”.) Em 1965, quando eu tinha dezoito anos e participava da equipe nacional dos Estudantes para uma Sociedade Democrática, planejei uma ocupação do Chase Manhattan Bank, “parceiro do apartheid” por conta de seu papel central no financiamento da África do Sul depois do massacre de manifestantes pacíficos. Foi o primeiro protesto em Wall Street em uma geração, e 41 pessoas foram arrastadas de lá pela polícia.

Ainda acho que tomar o comando dos arranha-céus é uma ideia esplêndida, mas para um estágio mais avançado da luta. Até o momento, a genialidade do Occupy Wall Street é o fato de ter liberado alguns dos imóveis mais caros do mundo e transformado uma praça privada em um espaço público magnético e catalisador de protestos.

Nossa ocupação há 46 anos foi uma incursão de guerrilheiros; a de agora é uma Wall Street sob o cerco dos liliputianos. Também é o triunfo do princípio supostamente arcaico do cara a cara, da organização dialógica. As mídias sociais são importantes, é claro, mas não onipotentes. O sucesso da auto-organização dos ativistas – a cristalização da vontade política a partir do livre debate – continua sendo melhor nos fóruns urbanos da realidade. Dito de outra forma, a maior parte das nossas conversas na internet equivale ao padre sendo ensinado a celebrar a missa; até mesmo megasites como o MoveOn.com são voltados para um grupo que já sabe do que é dito, ou pelo menos para seu provável grupo demográfico.

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