sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sangue no campo - Pará: “Ausência do Estado torna a impunidade uma regra”

Do Vi o Mundo


O dr. Ubiratan Cazetta é procurador-chefe da Procuradoria da República no Pará. Cabe a ele, portanto, representar o Estado brasileiro num momento em que o avanço da fronteira agrícola torna mais graves os conflitos locais, especialmente os relacionados à terra e à exploração de outros recursos naturais. Segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra, foram 212 assassinatos no Pará desde 1996, média de 14 execuções por ano. Para falar sobre a situação na região, a repórter Manuela Azenha conversou com o procurador esta tarde. Segue a entrevista:

Viomundo – A ministra-chefe da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, afirmou que o governo não tem estrutura para proteger todos os ameaçados de morte na Amazônia.

Ubiratan Cazetta – Essa informação é rigorosamente correta. Se nós formos trabalhar com um número de um pouco mais de mil pessoas ameaçadas, de fato não há estrutura policial, nem na Polícia Federal, nem nas estaduais, para deslocar algo em torno de 2 mil policiais para fazer esse acompanhamento. A questão não é, efetivamente, atacar isso diretamente, dando uma segurança a essas pessoas. É fazer uma análise adequada de cada caso, verificar quais destes que estão hoje correndo risco efetivo. Você pode ter [informações sobre] pessoas incluídas nessa lista que não estão tão atuais. Tem de fazer uma depuração e verificar onde ainda existe a tensão e nesses casos, sim, atuar. Mas isso não é suficiente.

Tem de identificar, entre essas mais de mil pessoas, qual é a relação de fundo e, aí sim, dar uma resposta definitiva. Investigar os motivos pelos quais as pessoas são ameaçadas, indo atrás da zona de tensão. No caso do Zé Cláudio, além de apurar o homicídio em si, tem de apurar os fatos que ele vinha denunciando e ir nas pessoas vinculadas a isso. Assim, você consegue dar uma resposta à sociedade em relação a essa situação de ameaça de morte, porque vai acabar com essa sensação de impunidade. Sendo bem objetivo, é necessário verificar quais dessas pessoas correm risco de vida hoje e dar segurança a essas pessoas. E em relação a todos esses mais de mil casos, identificar os fatos que estão por trás disso. Verificar qual o motivo daquelas pessoas atuarem numa região de conflito — e resolver o conflito. Resolvendo o conflito, se resolve a situação das ameaças.

Viomundo – Essa região do Sul do Pará é chamada de polígono da violência. Por que há tanto conflito ali?

Ubiratan Cazzeta – É uma conjunção de fatores. Primeiro, e mais evidente, você tem uma ausência do Estado. Não tem estrutura que possa atender aos diversos problemas sociais que você encontra ali. A grande maioria dos municípios tem uma estrutura policial, quando existe, muito pequena, composta por de 8 a 10 soldados, desestruturados, sem nenhum tipo de treinamento adequado. Muitas vezes não tem juízes, promotores locais. Do ponto de vista do Estado formal, da repressão, existe uma ausência do Estado que torna a impunidade quase uma regra.

Você soma a essa falta de estrutura do Estado o fato de que esses locais são de fronteiras agrícolas. Estão expandindo as atividades econômicas de todas as matrizes: pecuária, extração irregular de madeira, produção de carvão. Então, você tem um processo econômico muito forte, que não é acompanhado da presença do Estado para fazer um controle desse processo. Para resolver isso, tem de promover efetivamente a presença do Estado e o acompanhamento antecipado desses movimentos socioeconômicos. O Estado tem de chegar antes — e não ficar correndo atrás, como tem sido nos últimos trinta anos.

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