Edmur Camargo foi preso quando ia ao Uruguai; entregue à FAB, desapareceu
Adido militar brasileiro escreveu que a polícia argentina se antecipou e seria difícil justificar o retorno de um banido
DE BRASÍLIA
Relatório secreto feito em 1971 pela Embaixada do Brasil no Uruguai detalha o sequestro de um militante da esquerda armada (desde então desaparecido) em Buenos Aires e seu transporte ilegal para o Rio num avião da FAB.
O documento saiu no jornal "Página/12", da Argentina, que disse tê-lo obtido no Arquivo Nacional de Brasília.
A íntegra do relatório reescreve a trajetória do jornalista Edmur Péricles Camargo, então com 57 anos, militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e da organização M3G (Marx, Mao, Marighella e Guevara), autora de pelo menos cinco assaltos a banco entre 1969 e 1970.
Os militares também acusavam Camargo de ter assassinado o fazendeiro José Gonçalves Conceição, em 1967, em Presidente Epitácio (SP).
Para Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, o relatório é um raro registro oficial de uma operação clandestina da ditadura brasileira no exterior.
O problema legal é admitido pelo próprio autor do relatório, o adido militar brasileiro no Uruguai, de nome não revelado: "Parece que a polícia argentina se antecipou um pouco, pois, no momento em que o fato [sequestro] venha a público, será difícil justificar a entrega e o recebimento de um banido".
Camargo havia sido preso em 1970 em Porto Alegre (RS). Em janeiro de 1971, ele e mais 69 militantes foram banidos do Brasil em troca da libertação do embaixador suíço Giovanni Bucher.
Camargo foi para o Chile. Em maio de 1971, decidiu ir para o Uruguai, possivelmente para um tratamento de visão. O voo faria uma escala em Buenos Aires. No aeroporto de Ezeiza, a polícia argentina prendeu o militante, que viajava com um nome falso.
Os brasileiros já vinham monitorando o caso e pediram um avião da FAB (Força Aérea Brasileira), que chegou a Buenos Aires às 3h do dia 17 de maio. Camargo foi embarcado às 6h e levado ao aeroporto do Galeão, no Rio.
Documento citado no "Correio Braziliense" em 2007 diz que Camargo foi preso graças a informações do Centro de Informações do Exterior.
O relatório obtido pelo "Página 12" confirma que "um agente do Itamaraty que trabalha em Montevidéu" foi antes a Buenos Aires e alertou as autoridades argentinas sobre a chegada de Camargo.
A descrição dos horários de chegada e saída do avião da FAB, diz Krischke, poderia ser usada pela Comissão da Verdade para determinar as pessoas envolvidas no sequestro. (RUBENS VALENTE)
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