quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Dívida pública, a raiz do atraso brasileiro

Luís Brasilino

Cerca de 14,5 milhões de analfabetos com idade superior a 10 anos. Mais da metade dos domicílios (34,6 milhões) sem rede de esgoto. Muitos dos traços de subdesenvolvimento da sociedade brasileira expostos nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2009) podem ser explicados pela forma como está repartido o Orçamento Geral da União.

Há uma grande desproporção entre os recursos destinados a políticas sociais – como educação (2,88% dos gastos de 2009) e saneamento (0,08%) – e aqueles utilizados para pagar juros e amortizações da dívida pública (35,57%). Na Câmara dos Deputados, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), encerrada em junho, funcionou durante oito meses com o objetivo de investigar este que é o principal destino dos recursos do governo brasileiro.

Ivan Valente, deputado federal (Psol-SP) e proponente da CPI da Dívida Pública, conta que as informações levantadas revelam como a dívida se tornou o nó da política econômica brasileira. “De 1995 a 2009, ela saltou de R$ 60 bilhões para R$ 2 trilhões, sendo que [nesse período] o país pagou R$ 1 trilhão apenas em juros e amortizações”, declara.

De acordo com a economista Maria Lúcia Fatorelli, coordenadora do Movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida e que acompanhou a maior parte das sessões da CPI, enquanto os detentores dos títulos públicos brasileiros recebem religiosamente tais recursos, questões fundamentais do país são negligenciadas pela falta de verbas. “Nunca teve dinheiro para fazer uma reforma agrária decente, nunca tem recurso para garantir a saúde pública. As escolas remuneram professores com menos do que ganha uma empregada doméstica. Isso é um absurdo. Que país nós vamos construir com uma educação de baixa qualidade?”, questiona.

Juros altos
A conclusão central do relatório final da comissão é que o maior responsável pela escalada da dívida são os juros altos praticados pelo Banco Central. Na explicação do relator da CPI, deputado federal Pedro Novaes (PMDB-MA), isso significa que o passivo contraído pelo Estado brasileiro cresce mais em função das taxas que incidem sobre os empréstimos já feitos do que pela contratação de novas dívidas.

Para Valente, a conclusão é positiva, na medida em que reconhece que o crescimento do passivo da União, estados e municípios não decorre de gastos com a Previdência ou com o funcionalismo, “como defende a grande imprensa e setores da área econômica do governo e da oposição”.

Fatorelli acredita que a conclusão do relator também é importante por mostrar que a função da formação dos passivos pelo governo brasileiro está distorcida. “A dívida pública pode ser um importante instrumento de financiamento do Estado. Se ele tem suas obrigações (garantir serviços públicos, segurança para a população...) e não consegue arrecadar recursos suficientes para cumprir com seu papel, é legítimo que tenha uma dívida. Agora, quando observamos que a nossa dívida é feita basicamente de juros sobre juros, isso caracteriza uma tremenda ilegitimidade e até uma ilegalidade”, explica, referindo-se à decisão do Supremo Tribunal Federal que considerou ilegal o anatocismo (prática da cobrança de juros sobre juros).

Inflação
Segundo os defensores da política econômica atual, além de servir como mecanismo para atrair recursos para os cofres públicos, as altas taxas de juros servem para conter a inflação. Segundo Fatorelli, no entanto, a afirmação é uma outra mentira. “Ao subir os juros, você, de fato, inibe a demanda. Só que a inflação aqui no Brasil não é de demanda. Ela, inclusive, é provocada pelos próprios juros, pois eles são um componente do custo das empresas – elas têm que recorrer a empréstimos e é lógico que computem esse custo”, analisa.

A economista acrescenta que, além das altas taxas, um outro componente que pressiona a inflação no Brasil são os preços administrados, como a energia elétrica, a telefonia e a gasolina. “O país comprou essa ideia de controle de meta de inflação – que é uma coisa bem-vinda, pois ninguém quer inflação alta –, mas, da forma como está sendo feito, isso passou a ser um instrumento para desculpar os sucessivos aumentos de juros, que não têm justificativa a não ser aumentar a renda dos especuladores”, critica.
Fonte: Jornal Brasil de Fato – http://www.brasildefato.com.br/

Um comentário:

  1. Um dos maiores motivos desse sistema ser assim é a estrutura do processo orçamentário brasileiro: em tese, arrecada-se e gasta-se ao mesmo tempo, recorrendo a empréstimos junto ao mercado financeiro quando necessário.

    O problema é que frequentemente o Estado vê-se obrigado a pedir tais recursos, seja por insuficiência de caixa, seja por necessidades em prazos mais longos: incorrendo em juros. Quando os tributos entram, é para pagar o que já foi aplicado e juros, não para o que ainda será utilizado.

    Uma das saídas para esse campo seria remodelar o orçamento: criar uma defasagem temporal entre o calendário de arrecadação e o calendário de gasto, fazendo com que sempre haja algum caixa, rareando assim substancialmente a tomada de empréstimos. Em outras palavras, seria primeiro receber o salário para depois usá-lo.

    Claro, como seria um volume muito grande de moeda "parada", faria falta na economia do País: seria necessário imprimir mais papel-moeda para manter a mesma quantidade circulante na "praça".

    Mas, como aí o governo raramente pediria empréstimos e teria (quase) sempre recursos para pagar à vista, acabaria com um dos maiores filões do mercado financeiro tupiniquim, então para eles é mais interessante "abafar" essa história.

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