sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Brasil de fato

Pnad 2009: do analfabetismo digital ao trabalho infantil
Do blog do sakamoto
Saiu a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2009, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Puxei alguns dados que o Uol trouxe a público, tecendo alguns breves comentários sobre as questões de educação e trabalho:

1) Um em cada cinco brasileiro (20,3%) é analfabeto funcional, ou seja, tem 15 anos ou mais de idade, com menos de quatro anos de estudo e até sabe ler e escrever, mas não consegue interpretar textos ou se expressar de forma escrita em uma folha de papel. O número vem caindo desde 2004, quando o país tinha 24,4% de analfabetos funcionais. Enquanto isso, 9,7% da população com mais de 15 anos é iletrada – o que representa um total de 14,1 milhões de analfabetos (em 2008, eram 14,2 milhões). No Nordeste, a taxa de analfabetismo entre a população com 50 anos ou mais chega a 40,1%, enquanto que no Sul, esse total é de 12,2%.

Somando os dois números acima temos 30% de brasileiros à margem da sociedade. Ou seja, pouco menos de um terço da população não obtém conhecimento diretamente a partir de livros ou de veículos de comunicação escritos, dependendo de um intermediário que traduza para ele essa informação, seja através do boca-a-boca, seja por mídia eletrônica. Ao mesmo tempo…

2) …o Sudeste é a região com maior número de internautas: são 33,5 milhões de pessoas, ou 49,3% dos usuários da web no país. No total, representam 48,1% da população local. No Nordeste, eles são 30,2%. O grupo de usuários que mais aumenta é o de jovens entre 10 e 14 anos, com 58,8% (eles eram 24,3% em 2005). Entre aqueles com 50 anos ou mais, 15,2% acessam a internet.


O número de analfabetos vem caindo, mas a uma velocidade menor do que o necessário. Aliás, se o governo não tomar cuidado, a queda fica camuflada pela própria substituição geracional (os mais velhos, analfabetos, morrendo e dando lugar nas estatísticas aos mais novos, que se beneficiaram da oportunidade que seus pais não tiveram de terem acesso a programa de transferência de renda ligados à educação básica). Ao mesmo tempo, o letramento digital vem crescendo. Cantamos loas ao maravilhoso mundo de bits e bites, mas muitos se esquecem de que parte da população não faz idéia de onde fica essa tal de internet. E a velocidade de expansão dos que navegam na rede irá colidir, em algum momento, com a dificuldade de alfabetizar digitalmente um analfabeto funcional. Ou seja, um problema não resolvido encontra outro problema a resolver. Considerando que, dentro em pouco, grande parte da vida das pessoas irá passar necessariamente pela rede (e muitas instituições, de bancos a empresas de serviços públicos, a fim de poupar dinheiro, já fazem questão de jogar tudo para dentro da internet como se todo mundo já estivesse lá) isso significa que o abismo entre incluídos e excluídos será maior do que hoje. Velhos pobres, analfabetos, desconectados… desempregados.

3) A Pnad apontou queda na ocupação entre os idosos: de 2004 e 2009, o número de pessoas com mais de 60 anos trabalhando caiu 0,6 ponto percentual, reduzindo de 29,9% para 29,3%. Considerando as variações dos anos anteriores, pode se dizer que ficou praticamente estável. No ano passado, os idosos representavam 6,9% da massa de trabalhadores.

Vivemos em uma sociedade em que os que viveram mais não são vistos como patrimônio de conhecimento, mas sim como estorvo produtivo, por não poderem fornecer ao capital a mesma energia que garantiam antes, quando eram moços. O interessante é que à medida em que o tempo avança e a pirâmide demográfica brasileira vai mudando, com a redução no número de jovens na base e o aumento no número de idosos no topo, vamos percebendo a armadilha que estamos construindo para o nosso próprio futuro – e não estou falando da questão previdenciária, mas sim de respeito e dignidade. E não pensem que isso ocorre apenas com atividades que demandam força física – jornalista, por exemplo, também vai ficando ultrapassado aos 50. Poucos são aqueles que se mantém bem posicionados na profissão sem serem atropelados pelos mais jovens que vêm cheios de gás para dar à redação, aceitando ganhar menos e trabalhar mais.

O problema é quão jovem é essa entrada da qual estamos falando.


4) De acordo com a Pnad, havia 4,2 milhões de crianças e jovens, entre cinco e 17 anos, trabalhando – o que representa um nível de ocupação de 9,8% das pessoas nessa faixa etária. Em 2008, o número era de 4,4 milhões (10,2% do total). De 1995 até 2009, a taxa de crianças de 5 a 9 anos caiu de 3,2% para 0,8% – mas ainda temos 123 mil delas no serviço. Entre 10 a 14 anos, foi 18,7% para 6,9%. Entre os adolescentes de 15 a 17 anos, a média caiu de 44% para 27,4%.

A queda nos estratos mais vergonhosos (quem acha bonito um menino ou uma menina de 5 a 9 anos na labuta, por favor, não tenha filhos) foi grande nos últimos 15 anos, mas mais lenta nos adolescentes mais velhos. E isso, na minha opinião, vai ser difícil de baixar. Primeiro, pela própria (falta) de condições materiais que empurram esses jovens para o trabalho que não vai mudar tão cedo. Segundo, pela cultura do ”Trabalhei quando criança e isso formou meu caráter. Criança tem que trabalhar para não ficar fazendo arruaça na rua”, incutida por muitos anos e que só beneficia quem lucra com isso. Porque o jovem mesmo, nem pensar.

Como já disse aqui anteriormente, boa parte dos comentários postados neste blog sobre trabalho infantil são maniqueístas: ou a criança tem que ser burro de carga ou vai assaltar nos semáforos, não existe a opção estudar-brincar-crescer. Até entendo que muita gente sinta que sua experiência de superação seja bonita o suficiente para ser copiada pelo seu filho. Mas será que eles não imaginam que o trabalho infantil não precisa ser hereditário? E que, como o analfabetismo, é algo mantido por um sistema que ganha com a ignorância do povo e, por isso, pode ser sim erradicado?

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